O Vazio entre as Palavras -Você ainda sabe escutar ou só espera sua vez de falar?
Uma série de crônicas para quem está cansada de relações de vitrine
Introdução da Série: Onde Moram as Palavras
As palavras já não moram no peito. Elas vagam. São arrastadas, clicadas, esquecidas. Mas, e se a gente escutasse diferente?
Vivemos em um tempo em que tudo parece próximo — mas quase nada é íntimo. As conversas viraram notificações. Os afetos, reações. E a escuta... essa se perdeu no barulho interno de uma sociedade exausta.
Essa série de crônicas nasceu da vontade de parar. De respirar. De dar lugar às palavras que não gritam, mas tocam. Que não vendem, mas sustentam.
Onde Moram as Palavras é uma travessia íntima pelos vazios das conversas, pelas janelas que não abrimos, pelos afetos que performamos sem sentir. É uma coleção de espelhos, não de respostas. Um convite à escuta — a sua e à do outro.
Seja bem-vinda ao espaço entre o som e o silêncio. Lá onde as relações verdadeiras talvez ainda possam nascer.
Boa Leitura!
Crônica 1 – O Vazio entre as Palavras
O silêncio também fala, mas poucos têm coragem de escutar.
Platão desconfiava da escrita.
Sim, aquele mesmo que nos legou tantos diálogos. Ele dizia que a escrita empobrecia o pensamento, que tornava o saber repetição sem digestão. Para ele, a verdade nascia do encontro: do gesto de falar e escutar, do corpo presente, da palavra viva.
A escrita, para Platão, era memória artificial — e o diálogo, uma travessia entre almas.
Dois milênios depois, a gente segue escrevendo.
Mas o que escrevemos, hoje, nem sempre tem corpo.
E o que falamos… raramente encontra escuta.
Vivemos num Brasil onde a palavra perdeu o peso do silêncio que a antecede.
Onde todo mundo tem algo a dizer, mas quase ninguém quer escutar, mal se ouve.
A fala virou um mecanismo de defesa — ou de performance.
Ouvimos, mas não escutamos.
Enquanto o outro, fala, eu penso em repostas, defesas, não escuto tudo o que ele diz - adivinho contextos, penso no que ele quer ouvir. Isso não é proatividade, é telepatia. E, não se constrói conexão com telepatia, é raso, fraco, frágil.
E, assim…
No lugar da conversa, temos áudios acelerados.
No lugar do encontro, temos comentários com emoji.
No lugar da presença, temos curtidas automáticas em recortes filtrados de uma vida nem tão real assim.
Falar ficou fácil.
Escutar, não.
Comunicar-se virou uma tragédia grega!
E aí mora o perigo.Porque diálogo não é só troca de frases — é criação de mundo.
É espaço simbólico onde um se deixa tocar pelo outro.
Mas se eu me fecho, o outro só entra até onde eu deixo.
Ele não chega do tamanho que tem. Chega do tamanho que cabe no espaço que dei pra ele.
E, nesse país de afetos em modo avião,
de famílias que se falam por figurinha de WhatsApp,
de relações que mal sobrevivem a uma DR honesta,
o diálogo virou quase um milagre.
Talvez, seja por isso que sentimos tanta falta de algo que não conseguimos nomear.
Talvez, seja só escuta — aquela real, sem julgamento nem pressa — que a gente esteja buscando enquanto preenche carrinhos, stories e silêncios com qualquer coisa que distraia da ausência de sentido.
Escutar, no fim, é criar espaço em si, para que o outro chegue com toda a sua genialidade, sua potência.
E no Brasil de 2025, criar espaço pra palavra viva talvez seja o mais revolucionário dos gestos.
Em alto e bom som, P.1
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